terça-feira, dezembro 05, 2006

...quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio...


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
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Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
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Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
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Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
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Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
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Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
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Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
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E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
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Ricardo Reis (heterónimo)
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Temos de viver a vida esquecendo os desprazeres da vida, uma vez que não existe Além, a felicidade do sábio realiza-se neste mundo.
Temos de não temer a morte e procurar os prazeres simples e naturais da existência. Só se consegue estar feliz , ficando num estado de ataraxia. Temos de ser indiferentes à morte e ás coisas más, temos de viver conforme a ordem natural das coisas.
A vida é como um rio, passa sempre e não volta para trás. A vida corre, vivendo nós de forma tranquila e sossegada ou vivendo em grandes picos de tristeza e depressões.
O melhor que temos a fazer é não procurar grandes quantidades de felicidade e euforia, para que quando essas quantidades de felicidade acabarem, não ficar-mos com grandes quantidades de tristeza e depressão. O essencial é viver cada dia tranquilamente e deixando acontecer a ordem natural das coisas.
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Como díria Horácio (antiga Grécia), Carpe Diem!